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Como uma liberdade
- MANIFESTO -
Um
conjunto de cartoons satíricos sobre Maomé originalmente publicados
num jornal dinamarquês e republicados pela generalidade da imprensa
ocidental fizeram eclodir uma impressionante onda de violência em alguns
países islâmicos. Um ódio que assemelha a algo de irracional, inflamado nas multidões de rua,
transformando-se assim na representação de uma vaga de barbárie.
Numa
democracia, as opiniões só existem na medida em que existe igualmente liberdade para as
exprimir, divergir e criticar. Em cada momento
histórico, há um determinado universo de valores que só é dominante porque
os sujeitos sociais os partilham de uma forma comum e plural. Em regimes
autoritários, esse consenso é forçado por via de uma estrutura repressiva
que se impõe aos cidadãos. Na generalidade dos países islâmicos, uma
religião é aliada desse aparelho coercivo.
Plasmando-se
ao poder político, as simbologias criadas por uma leitura
dessa religião geram as próprias condições de reprodução do autoritarismo.
Actualmente, a incapacidade de articulação de um discurso moderado no
interior do Islão transforma essa realidade num cenário particularmente
crítico. Afirmá-lo é constatar algo que só um proselitismo feroz pode
confundir com preconceito ou xenofobia, sobretudo quando isso é valorizar
todos aqueles que no terreno não cedem ao cativeiro do fundamentalismo
islâmico. Em condições sempre dramáticas, tantas vezes assumindo o exílio ou
a morte contra
fatwas assassinas.
Há,
no Ocidente, quem queira conscientemente evitar abordar o essencial. Porque
é
absolutamente irrelevante se os cartoons são ou não ofensivos, se são
ou não ‘despropositados’. Não há aí matéria de discussão. Todos os dias nos deparamos na imprensa com
opiniões ofensivas e/ou despropositadas. Por isso é que são opiniões. Por
isso é que são publicadas em páginas de jornais. Por isso é que lhes podemos
contrapor argumentos sem medo. E é tudo isso que nos enriquece enquanto membros de
uma comunidade democrática, com opiniões que são tantas vezes
execráveis mas nunca atentatórias da integridade de quem delas discorda.
Em
1689, John Locke escrevia na sua Carta sobre a Tolerância que «a
tolerância […] aplica-se ao exercício da liberdade, que não é licença para
fazer tudo o que se deseja, mas o direito de obedecer à obrigação, essencial
a cada homem, de realizar a sua natureza». Mais de três séculos depois, ainda
se justifica uma violência cega como legítima reacção à ‘blasfémia’. Quem o
faz, aceita regredir na capacidade de afirmar o princípio da diferença
como o princípio inalienável da realização individual, seja ela minoritária
ou não na
sociedade em que se insere. Daí a separação formal entre
Estado e igrejas nos países democráticos, permitindo uma volatilidade dos
laços morais que será tanto maior quanto a sua relação com a diversidade
das práticas, das vivências e dos costumes.
Após
o 11 de Setembro de 2001, a generalidade das discussões sobre este tema
estão viciadas entre o radicalismo bélico e o militantismo relativista. Este
documento é por isso um contributo para explorar uma alternativa a essa
dicotomia, subscrito por cidadãos e cidadãs com percursos distintos e
filiações políticas muito diversas, à esquerda e à direita, com ou sem
religião, que têm leituras certamente opostas quanto ao terrorismo e à sua
prevenção. Em comum têm porém a recusa na cedência de um conjunto de
princípios que, no seu entender, poderão traduzir parte do património civilizacional ocidental.
A começar pela liberdade de expressão, que pode e deve ser um valor
universal.
Os
apelos de governos europeus para a ‘responsabilidade’ no uso dessa liberdade de expressão são a metáfora
de um complexo de culpa em relação a algum passado histórico do Ocidente que
não pode ser esquecido. Mas que também não pode servir de intermediário a
todas as leituras sobre o tempo presente. Qualquer vírgula colocada na
liberdade de imprensa será um silêncio a mais. Pedir desculpa pela emissão
de uma opinião livre publicada num jornal europeu será pedir desculpa pela
Magna Carta, por Erasmo, por Voltaire, por
Giordano Bruno,
por Galileu, pelo laicismo, pela Revolução Francesa, por Darwin, pelo
socialismo, pelo Iluminismo, pela Reforma, pelo feminismo. Porque tudo isso
nos une na herança de um processo histórico que aparece agora
criminalizado pela susceptibilidade de um dogma impositivo, incapaz de
olhar o outro. Do mesmo modo que tudo isso nos separa daqueles que,
sem concessões, reclamam
uma superioridade civilizacional para a sua civilização. Qualquer que ela
seja.
Os primeiros signatários,
Tiago Barbosa Ribeiro e
Rui Bebiano
Porto e Coimbra, 9/2/06
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